Uso abusivo de Esteróides
Uso abusivo de Esteróides

 

Uso abusivo de esteróides anabolizantes androgênicos

 

Os esteróides anabolizantes androgênicos (EAA) são andrógenos sintéticos com atividade anabólica semelhante à testosterona. Os EAA têm a função primária de desenvolver e manter características sexuais masculinas, além da função anabolizante que acarreta aumento da síntese protéica e conseqüente aumento da massa muscular.1,2

A testosterona foi isolada, caracterizada quimicamente e sintetizada em laboratório em 1935.3,4 O primeiro uso não-médico dos EAA foi feito por soldados alemães na II Guerra Mundial com o intuito de aumentar a agressividade.3 Os anos 50 marcaram o início do uso entre atletas competitivos. Mas só nos anos 70 pudemos observar um aumento progressivo do uso de EAA entre atletas competitivos e o início do uso entre atletas recreativos, inclusive entre as mulheres.3,5 Hoje faz até mesmo parte da cultura dos freqüentadores de academias. O ano de 1975 ficou marcado pela inclusão dos EAA na lista de drogas consideradas "doping" pelo Comitê Olímpico Internacional,6 sendo o ano de 1988 um marco histórico dessa questão, pois foi quando o atleta Ben Johnson perdeu sua medalha olímpica em Seul devido ao uso de EAA.3

Um estudo populacional realizado em 1988 nos EUA estimou em mais de um milhão os usuários de EAA. A média de idade para início do uso na população de adultos é de 18 anos. Para os adolescentes, a média de idade de início do uso é de 15 anos.7 Mesmo não havendo dados epidemiológicos brasileiros, esses estudos nos dão idéia da dimensão do problema.

Em relação à forma de uso, os EAA são administrados em "ciclos" que duram de 4 a 12 semanas, freqüentemente envolvendo várias drogas simultaneamente ("empilhadas") ou doses que são gradualmente aumentadas e a seguir diminuídas (pirâmide),6 administradas por via oral e via intramuscular associadamente, com períodos de abstinência que variam entre um mês e um ano. As doses usadas costumam ser 10 a 100 vezes maiores que as doses habitualmente preconizadas em tratamentos e estudos médicos.8 As principais drogas usadas são metandienona (Dianabol), cipionato de testosterona (Testosterona Depot, Sustanon, outros), decanoato de nandrolona (Deca-durabolin, Durabolin), oxandrolona (Anavar), enantato de metenolona (Primobolan), estanozolol (Winstrol) e undecilenato de boldenona (Equipoise). O undecilenato de boldenona é uma droga de preparação veterinária, o que denota a falta de limites dos usuários. Na tentativa de evitar os efeitos colaterais e de aumentar a ação das drogas, são usados: diuréticos, outros hormônios (diidroepiandrosterona, eritropoietina, hormônio de crescimento humano, insulina, tiroxina e triiodotironina), estimulantes do hormônio de crescimento, estimulantes da testosterona (clomifeno, ciclofenil e gonadotrofina coriônica humana).6 Na Internet encontramos "sites" de estímulo ao uso de EAA, com recomendação de dosagens e "dicas" de como conseguir as drogas. Sabe-se também que os EAA são prescritos e vendidos nas próprias academias, sem qualquer critério e controle.

Conseqüências orgânicas do uso de EAA podem ocorrer em diversos sistemas. Na pele: acne, aumento de pelos corporais e calvície. No fígado: colestase e tumores hepáticos. No sistema nervoso central: convulsões, dor de cabeça e trombose do seio sagital. No metabolismo: intolerância à glicose, aumento de LDL colesterol e diminuição do HDL colesterol. No sistema endócrino: atrofia testicular temporária, dificuldade urinária e ginecomastia.

São ainda descritos quadros psiquiátricos associados ao uso dos EAA. Na vigência do uso: psicoses ou sintomas psicóticos, mania ou hipomania, ansiedade e/ ou pânico e comportamento violento. Na retirada da droga podem ocorrer quadros depressivos.8 Alguns trabalhos avaliam a dependência a EAA segundo critérios do DSM-III-R. A insatisfação com a imagem corporal é citada como um fator que predisporia os usuários à dependência. Não há dados de prevalência de dependência de EAA.2,9 Kindlundh (1999) menciona o consumo pesado de álcool (mais de uma vez por semana) como associado ao uso de EAA entre adolescentes.

Embora considere-se a importância das alterações de imagem corporal na questão do abuso de EAA, pouco se sabe ainda sobre imagem corporal e hábito de fazer dietas e exercícios físicos entre homens. Em contraste com o que se conhece com relação às mulheres, a insatisfação com a imagem corporal em homens, especialmente entre os jovens, direciona-se ao ganho de peso. Tucker (1982) estudou o tipo físico "ideal" de homens jovens universitários e estimou que 70% não estavam satisfeitos com seu corpo e desejavam ser mais musculosos.

Um tipo de transtorno dismórfico corporal está francamente associado ao uso de EAA. Denominado "dismorfia muscular", caracteriza-se pelo fato de homens, mesmo sendo musculosos e "grandes" (como se entitulam), têm medo de parecerem fracos e "pequenos" e algumas vezes consideram que sua massa magra é insuficiente. A preocupação excessiva com a musculatura causa ansiedade e prejuízo social, ocupacional e em outras áreas de funcionamento. Há uma excessiva preocupação com o treinamento físico e com a dieta, o que pode levar ao uso de substâncias ergogênicas.10 O uso de EAA nessa população pode ser desencadeado ou mantido pela presença de transtorno dismórfico corporal.11,12

A mídia, que estimula o culto ao corpo irreal, também tem noticiado as conseqüências do abuso dos EAA, o que salienta a importância do meio científico na investigação mais aprofundada e na abordagem adequada do problema.

Referências

  1. American College of Sports Medicine. Position statement on the use and abuse of anabolic-androgenic steroids in sports. Med Sc Sports Exerc 1987;19:534-9.
  2. Brower KJ, Blow FC, Beresford TP, Fuelling C. Anabolic-androgenic steroid dependence. J Clin Psychiatry 1989;50(1):31-3.
  3. Fuller MG. Anabolic-androgenic steroids: use and abuse. Compr Ther 1993;19(2):69-72.
  4. Johnson NP. Was Superman a junky? The fallacy of anabolic steroids. J S C Med Assoc 1990;January:46-8.
  5. Andersen RE, Barlett SJ, Morgan GD, Brownell KD. Weight loss, psychological, and nutricional patterns in competitive male body builders. Int J Eating Disord 1995;18(1):49-57.
  6. Kennedy MC. Anabolic steroid abuse and toxicology. Aust NZ J Med 1992;22:374-81.
  7. Yesalis CE. Epidemiology and patterns of anabolic-androgenic steroid use. Psychiatr Ann 1992;22:7-18.
  8. Pope HG Jr, Katz DL. Affective and psychotic syndromes associated with use of anabolic steroides. Am J Psychiatry 1988;145:487-90.
  9. Brower KJ, Blow FC, Young JP, Hill EM. Symptoms and correlates of anabolic-androgenic steroids dependence. Br J Addict 1991;86(6):759-68.
  10. Pope Jr HG, Gruber AJ, Choi P, Olivardia R, Phillips KA. Muscle dismorphia: an underrecognized form of body dismorphic disorder. Psychosomatics 1997;38:548-57.
  11. Pope HG Jr, Katz DL, Hudson JI. Anorexia nervosa and "reverse anorexia" among 108 male bodybuilders. Compr Psychiatry 1993;34(6):406-9.
  12. Schwerin MJ, Corcoran KJ, Fisher L, Patterson D, Askew W, Olrich T, et al. Social physique anxiety, body esteem and social anxiety in bodybuilders and self-reported anabolic steroids users. Addict Behav 1996;21(1):1-8.

 

 

MARCIO SANTOS